INTEGRANTES

Líder ATUN Delma
História

A Zebrinha Preocupada
Lúcia Reis
Era uma vez uma Zebrinha listrada que vivia muito preocupada em uma savana africana. 
Como todas as outras zebras que viviam por lá, esta Zebrinha também tinha listras pretas e listras brancas que pareciam um belo pijama. 
Se não fosse por um pequeno detalhe, a Zebrinha não teria nenhum problema: suas listras eram deitadas. 
A Zebrinha ficava muito chateada. Por onde passava todo mundo comentava: 
- Lá vai ela, a Zebra de listras deitadas! 
A Zebrinha ficava tão triste que chorava. 
Até que um dia, a Zebrinha, no meio de um passeio, conheceu uma Girafa muito estranha. 
Como todas as outras girafas que viviam por lá, esta também era amarela com pintas marrons. 
Se não fosse um pequeno detalhe, a Girafa não seria estranha: suas pintas eram quadradas. 
Conversa vai, conversa vem, e a Zebrinha disse para a amiga nova o que a incomodava: 
- São todas estas listras deitadas!!! 
- Tremenda besteira! Tremenda bobagem! – respondeu a Girafa. – Eu gosto muito de ser quadriculada! 
- Ora bolas! Quer saber de uma coisa? Cansei de andar estressada. É isso mesmo, grande amiga Girafa! Em pé ou deitada, a posição da listra não é o que realmente interessa! 
- Então, Zebrinha, vamos acabar logo com esta história e vamos brincar depressa! 
E assim a Zebrinha nunca mais viveu preocupada! 
Depoimento
Comprei o livro "A Zebrinha Preocupada" num sebo. Não conhecia a história, foi amor à primeira leitura. Já li diversas vezes no hospital por entender que as crianças que lá estão, se sentem fragilizadas e de alguma forma diferentes das outras crianças, pois sua rotina é outra.
Percebo o envolvimento da criança com a personagem, existe a identificação, além disso, posso perceber nos olhos dos pais a aprovação quando conto essa história.
O interessante é que a história é curta, mas tem uma ótima ilustração que possibilita intercalar comentários e fazer a criança interagir contando se conhece ou não a zebra, a girafa; se tem um pijama listrado igualzinho da zebrinha, etc...
Uma das vezes que marcou foi quando eu contei para um menino de uns 13 anos. Foi pura intuição, pois nem seria o livro indicado para aquela faixa etária e, principalmente, por ser menino. Comecei contar, o menino se interessou e sua mãe, que estava um pouco afastada, foi se aproximando, como que hipnotizada pela história. Quando terminei ela falou que eu não poderia ter escolhido história melhor para o seu filho. Contou ele tinha feito uma cirurgia na orelha por não se aceitar ao ser diferente. Foi emocionante!
São essas experiências únicas que nos fazem saber que estamos trilhando no caminho certo.

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ATUN Alexandre

História

O Frio Pode Ser Quente?
Jandira Mansur
As coisas têm muitos jeitos de ser,  
depende do jeito que a gente vê. 
O comprido pode ser curto e o pouco pode ser muito. 
O manso pode ser bravo e o escuro pode ser claro. 
O fino pode ser redondo e o doce pode ser amargo. 
O quente pode ser frio e o que parece um mar também pode ser um rio. 
(...) 
Quem já se queimou num pedaço de gelo e sentiu muito frio depois de um banho quente não pode se espantar do frio poder queimar e o quente também esfriar. 
Uma árvore é tão grande se a gente olha lá para cima, mas do alto de uma montanha ela parece tão pequenina. 
Grande ou pequena depende do quê?
Depende de onde a gente vê. 
O domingo é tão curto os outros dias duram tanto, 
nas horas eles são iguais 
a diferença deve estar naquilo que a gente faz. 
O amanhã de ontem é hoje, o hoje é o ontem de amanhã; 
dentro dessa complicação quem tem uma explicação?
Dá até para perguntar se o amanhã nunca chega, 
e também para pensar hoje, ontem, amanhã depende do quê, 
depende do jeito que você vê. 
(...) 
O pouco pode ser muito, o quente pode ser frio, 
será que tudo está no meio e não existe só o bonito ou só o feio?
O comprido pode ser curto, o fino pode ser redondo, 
parece mesmo que no fim o bom pode ser ruim,
e neste caso por que não o ruim pode ser bom?
Curto e comprido, bom e ruim, vazio e cheio, bonito e feio 
- são jeitos das coisas ser, depende do jeito da gente ver. 
Ver de um jeito agora e de outro jeito depois, ou melhor ainda, 
ver na mesma hora os dois.
Depoimento
Com esta história consigo conversar com a criança. Não me submeto somente a contá-la de forma passiva, esperando um bom resultado. Esta história me permite perguntar, responder e instigar a curiosidade da criança. Ou seja, me permite uma segunda história, uma história viva, onde eu e a criança a construímos de forma cativante, deixando que ela desenvolva os conceitos apresentados na bela história “O Frio pode ser Quente?”. Ela já me proporcionou momentos muito marcantes, conseguindo então fazer aquela criança desanimada se instigar por algo divertido e instrutivo! Ela sempre está comigo na minha bolsa de histórias, aonde quer que eu vá.

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ATUN Simone

História

O Mundo é Você
Um famoso político, muito preocupado com os problemas do mundo, passava dias em seu escritório, tentando encontrar meios de minorá-lo.
Certo dia, seu filho de sete anos invadiu o seu santuário decido a ajudá-lo. O político, nervoso pela interrupção, tentou fazer o filho brincar em outro lugar. Vendo que seria impossível removê-lo, procurou algo que pudesse distrair a criança.
De repente, deparou com o mapa do mundo em uma revista. Estava ali o que procurava. Recortou o mapa em vários pedaços e, junto com um rolo de fita adesiva, entregou ao filho, dizendo-lhe:
- Você gosta de quebra-cabeças? Então vou lhe dar o mundo para consertar: Aqui está ele todo quebrado. Veja se consegue consertá-lo bem direitinho! Mas faça tudo sozinho!
Pelos seus cálculos, a criança levaria dias para recompor o mapa. Passado pouco mais de uma hora, ouviu o filho chamando-o calmamente:
- Papai, papai, já terminei tudinho!
A princípio, o pai não deu crédito às palavras do filho. Seria impossível, na sua idade, conseguir recompor um mapa que jamais havia visto. Relutante, o político levantou os olhos de suas anotações, certo de que veria um trabalho digno de uma criança. Para sua surpresa, o mapa estava completo. Todos os pedaços haviam sido colocados nos devidos lugares. Como seria possível? Como o menino conseguiria tal proeza? 
- Você não sabia como era o mundo, meu filho, como conseguiu montar tão rapidamente o quebra-cabeça?
- Pai, eu não sabia como era o mundo, mas quando você tirou o papel da revista para recortar, vi que do outro lado havia a figura de um homem. Quando você me deu o mundo para consertar, eu tentei, mas não consegui. Foi aí que me lembrei do homem, que eu sabia como era. Quando consegui consertar o homem, virei a folha e vi que havia consertado o mundo.
Depoimento
As histórias que eu gosto são muitas, mas já que temos que escolher uma, acho que foi a do "O mundo é você" que eu contei ainda quando fiz carona. Contei para um casal de senhores velhinhos que estavam na Cruz Vermelha e eles me deram um sorriso tão bonito e falaram que nós, contadores de histórias, já estávamos mudando de certa forma o mundo. Isso mexeu muito comigo e me deu mais vontade de continuar...

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ATUN Gabriela & ATUN Mônica
 História

O Lixo
Luís Fernando Veríssimo
Encontram–se na área de serviço. Cada um com seu pacote de lixo. É a primeira vez que se falam.
H– Bom dia ...
M– Bom dia.
H– A senhora é do 610.
M– E o senhor do 612
H– É.
M– Eu ainda não lhe conhecia pessoalmente ...
H– Pois é ...
M– Desculpe a minha indiscrição, mas tenho visto o seu lixo ...
H– O meu quê?
M– O seu lixo.
H– Ah ...
– Reparei que nunca é muito. Sua família deve ser pequena ...
– Na verdade sou só eu.
– Mmmm. Notei também que o senhor usa muito comida em lata.
– É que eu tenho que fazer minha própria comida. E.como não sei cozinhar ...
– Entendo.
– A senhora também ...
– Me chame de você.
– Você também perdoe a minha indiscrição, mas tenho visto alguns restos de comida em seu lixo. Champignons, coisas assim ...
– É que eu gosto muito de cozinhar. Fazer pratos diferentes. Mas, como moro sozinha, às vezes sobra ...
– A senhora ... Você não tem família?
– Tenho, mas não aqui.
– No Espírito Santo.
– Como é que você sabe?
– Vejo uns envelopes no seu lixo. Do Espírito Santo.
– É. Mamãe escreve todas as semanas.
– Ela é professora?
– Isso é incrível! Como foi que você adivínhou?
– Pela letra no envelope. Achei que era letra de professora.
– O senhor não recebe muitas cartas. A julgar pelo seu lixo.
– Pois é ...
– No outro dia tinha um envelope de telegrama amassado.
– É.
– Más notícias?
– Meu pai. Morreu.
– Sinto muito.
– Ele já estava bem velhinho. Lá no Sul. Há tempos não nos víamos.
– Foi por isso que você recomeçou a fumar?
– Como é que você sabe?
– De um dia para o outro começaram a aparecer carteiras de cigarro amassadas no seu lixo.
– É verdade. Mas consegui parar outra vez.
– Eu, graças a Deus, nunca fumei.
– Eu sei. Mas tenho visto uns vidrinhos de comprimido no seu lixo ...
– Tranqüilizantes. Foi uma fase. Já passou.
– Você brigou com o namorado, certo?
– Isso você também descobriu no lixo?
– Primeiro o buquê de flores, com o cartãozinho, jogado fora. Depois, muito lenço de papel.
– É, chorei bastante, mas já passou.
– Mas hoje ainda tem uns lencinhos ...
– É que eu estou com um pouco de coriza.
– Ah.
– Vejo muita revista de palavras cruzadas no seu lixo.
– É. Sim. Bem. Eu fico muito em casa. Não saio muito. Sabe como é.
– Namorada?
– Não.
– Mas há uns dias tinha uma fotografia de mulher no seu lixo. Até bonitinha.
– Eu estava limpando umas gavetas. Coisa antiga.
– Você não rasgou a fotografia. Isso significa que, no fundo, você quer que ela volte.
– Você já está analisando o meu lixo!
– Não posso negar que o seu lixo me interessou.
– Engraçado. Quando examinei o seu lixo, decidi que gostaria de conhecê-la. Acho que foi a poesia.
– Não! Você viu meus poemas?
– Vi e gostei muito.
– Mas são muito ruins!
– Se você achasse eles ruins mesmo, teria rasgado. Eles só estavam dobrados.
– Se eu soubesse que você ia ler ...
– Só não fiquei com eles porque, afinal, estaria roubando. Se bem que, não sei: o lixo da pessoa ainda é propriedade dela? – Acho que não. Lixo é domínio público.
– Você tem razão. Através do lixo, o particular se torna público. O que sobra da nossa vida privada se integra com a sobra dos outros. O lixo é comunitário. É a nossa parte mais social. Será isso?
– Bom, aí você já está indo fundo demais no lixo. Acho que ...
– Ontem, no seu lixo ...
– O quê?
– Me enganei, ou eram cascas de camarão?
– Acertou. Comprei uns camarões graúdos e descasquei.
– Eu adoro camarão.
– Descasquei, mas ainda não comi. Quem sabe a gente pode ...
– Jantar juntos?
– É.
– Não quero dar trabalho.
– Trabalho nenhum.
– Vai sujar a sua cozinha?
– Nada. Num instante se limpa tudo e põe os restos fora.– No seu lixo ou no meu?

Depoimento
Sempre gostei muito de ler as crônicas do Luis Fernando Veríssimo, são inteligentes e ao mesmo tempo leves e divertidas. Ele trata de assuntos tão corriqueiros e geralmente ao terminar a leitura nos pegamos pensando se aquilo realmente poderia algum dia nos acontecer. 
E é por esse motivo que adoro poder contar para os pacientes algumas das crônicas desse autor gaúcho. E não foi diferente em uma das tardes de contação no hospital.
Entramos, eu e a Mônica, em um quarto com dois meninos. A primeira impressão que tivemos, ao ver a cadeira coberta com cabelos recém cortados, foi de um ambiente fragilizado. Um dos meninos dormia, enquanto o outro se distraía com seu notebook.
Mesmo assim entramos. Os meninos nos olharam, desconfiados. Nos apresentamos, e quase sem esperança alguma, ao julgar a idade dos pacientes, perguntamos se eles queriam ouvir histórias. A resposta foi sim!
Rapidamente decidimos pela história “O Lixo”, e no decorrer da contação o paciente que estava deitado se sentou, e podíamos perceber a mudança na expressão facial de ambos. No fim, os dois comentaram sobre a história, riram, brincaram e pediram por mais histórias.
Neste quarto pudemos realmente perceber o poder que uma simples história tem, chegamos e encontramos um quarto silencioso e quando saímos podíamos senti-lo muito mais alegre e leve. 

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ATUN Andressa
História

Saci Pererê 
Monteiro Lobato (adaptado)
Ouço falar em saci desde que nasci. Saci é coisa antiga e bota medo mesmo,pois apesar de brincalhão é, às vezes, bem malvadinho.Se você nunca viu um saci na vida, saiba que ele é um negrinho de uma perna só, que veste uma carapuça vermelha na cabeça e está sempre pitando um cachimbinho. O saci pode até perder o cachimbo, pois com um canudinho de bambu e um pouquinho de barro ele logo faz outro, mas a carapuça! A carapuça do saci é muito importante pra ele. É ela que lhe dá poderes mágicos, como o de desaparecer e aparecer onde quiser, de pegar carona nos rodamoinhos de vento e até de se transformar numa ave misteriosa, o Matintaperê, que canta uma melodia triste, que ninguém nunca consegue descobrir de onde é que vem. Saci gosta de ir pra onde quiser e de fazer travessuras. E esconde os brinquedos das crianças e solta os animais dos currais e derrama o sal no chão das cozinhas e faz tranças nas crinas de cavalos e azeda o leite e quebra as pontas das agulhas e esconde as tesourinhas de cortar unha e embaraça os novelos de linha e faz o dedal das costureiras cair nos buracos e bota moscas na sopa e queima o feijão que está no fogo e gora os ovos das ninhadas. Mas assim como a gente, o saci tem alguns medos também. Dizem que ele não atravessa - de jeito nenhum! – córregos, nem riachos, e fica arrasado quando alguém o captura, pois perder a liberdade é a pior coisa que pode acontecer para um saci. “Certa vez o Saci tentou aprontar uma comigo. Eu estava sozinho em casa e me deu vontade de comer pipoca. Escolhi uma espiga de milho bem seca. Nisto, ouvi no terreiro um barulhinho que não me engana. "Vai ver que é saci!" - pensei comigo. E era mesmo. Dali a pouco um saci preto que nem carvão, de carapuça vermelha e pitinho na boca, apareceu na janela. Eu imediatamente me encolhi no meu canto e fingi que estava dormindo. Ele espiou de um lado e de outro e por fim pulou para dentro. Veio vindo, chegou pertinho de mim, escutou os meus roncos e convenceu-se de que eu estava mesmo dormindo. Então começou a reinar na casa. Remexeu tudo! Nisto, o milho começou a chiar na caçarola e ele dirigiu-se para o fogão. Ficou de cócoras no cabo da caçarola, fazendo micagens. Estava "rezando" o milho, como se diz. E adeus pipoca! Cada grão que o saci reza não rebenta mais, vira piruá. Dali saiu para bulir numa ninhada de ovos que a minha carijó calçuda estava chocando num balaio velho, naquele canto. A pobre galinha quase que morreu de susto. Fez cró, cró, cró... e voou do ninho feito uma louca, mais arrepiada que um ouriço-cacheiro. Resultado: o saci rezou os ovos e todos goraram. Depois de muito virar e mexer, o sacizinho foi-se embora e eu fiquei armando o meu plano para assim que ele voltasse. Na sexta-feira seguinte, apareceu aqui outra  vez às mesmas horas. Espiou da janela, ouviu os meus roncos fingidos e pulou para dentro. Remexeu em tudo, como da primeira vez e depois foi atrás
do pito que eu tinha guardado no mesmo lugar. Pôs o pito na boca e foi ao fogão buscar uma brasinha, que trouxe dançando nas mãos. Trouxe a brasa, pôs a brasa no pito e sentou-se de pernas cruzadas para fumar com todo o seu sossego. É, saci cruza as pernas como se tivesse duas! São coisas que só ele entende e ninguém pode explicar. Cruzou as pernas e começou a tirar baforadas, uma atrás da outra, muito satisfeito da vida. Mas de repente, puf! aquele estouro e aquela fumaceira!... O saci deu tamanho pinote que foi parar lá longe, e saiu ventando pela janela afora. Eu tinha socado pólvora no fundo do pito e a pólvora explodiu justamente quando ele estava dando a fumaçada número sete, e o saci, com a cara toda sapecada, raspou-se para nunca mais voltar.”
Depoimento
História da História
Certa vez conheci uma garota chamada Érica, uma contadora chamada Andressa e um Instituto chamado História Viva. Entrei em um quartinho mais isolado, onde estava a pequena e sua mãe. Ambas me olharam com curiosidade. Tente iniciar uma história, mostrando o livro da Cinderela, o ‘’coringa’’ para as meninas na contação. Não deu certo. Resolvi então convencê-la de que sou legal para depois fechar com chave de ouro: contar histórias! Mas quase uma missão impossível era fazê-la sorrir, embora seus pequenos olhinhos me traduzissem o desejo de que eu deveria permanecer ali. Dentre as várias tentativas de conseguir um sorrisinho, apelei e fiz bolhas de sabão. Não deu certo. Coloquei o nariz de palhaço. Também não deu certo. E nisso, sem querer prendi meu dedo no elástico, o que acabou resultando em gargalhadas da pequena Érica. Ah, entendi o recado, a criança era travessa. E assim, fiz brincadeirinhas que talvez causem receios em alguns contadores: fingir que não consegue respirar por causa do nariz de palhaço, estourar bolhas antes da criança, fazer caretas,... E a pequena gargalhava no quarto, atraindo olhares de algumas enfermeiras que passavam por ali. Depois disso, contei a história do moleque travesso da mata: Saci Pererê! Muitos dizem que ser voluntário é fazer sem nada em troca. Eu discordo. Conto histórias porque recebo muito mais do que fiz.

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